A Neurociência da Aversão: Como o Nosso Cérebro Responde a Locais Contaminados (Por Nuno Moura)

Sentir repulsa por locais sujos e contaminados é uma reação instintiva e protetora do cérebro humano, fundamentada em mecanismos neurobiológicos que evoluíram para manter-nos longe de ameaças invisíveis, como bactérias, vírus e outros agentes patogénicos. O que pode sugerir um incómodo diante de um cheiro desagradável, um resíduo orgânico ou de uma superfície pegajosa é, na realidade uma resposta do nosso sistema neurológico, desenvolvida ao longo de milénios para garantir a nossa sobrevivência.

Este artigo explora os mecanismos envolvidos na perceção e resposta a cenários de risco biológico, destacando-se o papel de estruturas cerebrais no processamento das respostas emocionais do nojo, da aversão e do medo.  E também propõe analisar como a exposição constante a ambientes contaminados pode conduzir à dessensibilização emocional ou exacerbação de respostas de ansiedade, com implicações importantes para os profissionais que trabalham em locais de risco biológico, como é o caso dos especialistas em limpeza e desinfeção de áreas contaminadas.

O nosso cérebro interpreta sinais de perigo por meio dos sentidos. Estudos têm evidenciado que a resposta cerebral à contaminação é modulada por uma combinação de processos sensoriais, emocionais e cognitivos, onde os sistemas percetivos identificam pistas visuais como a sujidade e o sangue, olfativas como cheiros desagradáveis, e táteis como texturas pegajosas ou viscosas, desencadeando reações automáticas de repulsa e evitação (Rozin et al., 2008).

Para compreender a base neurobiológica da aversão, é necessário reconhecer que o processamento cerebral da aversão envolve várias regiões e estruturas cerebrais conectadas entre si que atuam em conjunto para interpretar estímulos desagradáveis e gerar respostas comportamentais adequadas, como evitar alimentos contaminados, afastar-se de locais com odores desagradáveis ou expressar repulsa (Murphy et al., 2003; Curtis et al., 2011), nomeadamente:

Ínsula: Localizada profundamente no córtex cerebral, entre os lobos temporal e parietal, é responsável na identificação e processamento do nojo, ativando respostas automáticas de afastamento quando o indivíduo é exposto a estímulos visuais, olfativos ou táteis considerados repulsivos (Calder et al., 2007).

Amígdala: Localizada no sistema límbico, nos lobos temporais, está associada ao medo e à avaliação de ameaças, aumentando a perceção de risco em ambientes contaminados.

Córtex pré-frontal ventromedial: Localizado na região frontal do cérebro, acima das órbitas oculares, atua na regulação emocional e ajuda a controlar reações aversivas exageradas.

Putâmen e globo pálido: Localizados profundamente no cérebro, dentro dos gânglios da base, são envolvidos na perceção do nojo e no controle motor relacionados a reações automáticas, como o reflexo de repulsa diante de algo nojento.

Hipotálamo: Localizado na parte inferior do diencéfalo, abaixo do tálamo, coordena reações fisiológicas ao nojo, como náusea e vômito, protegendo-nos de substâncias perigosas.

A intensidade dessas respostas pode variar de pessoa para pessoa. Indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), por exemplo, tendem a reagir de forma exagerada a estímulos repulsivos, o que pode explicar comportamentos de evitação obsessiva de sujidade ou germes, ou comportamentos compulsivos de limpeza excessiva (Ramos, 2006). Por outro lado, pacientes com Doença de Huntington, que têm dificuldade em reconhecer expressões de nojo e repulsa, podem não perceber corretamente os sinais de risco e exporem-se a ambientes perigosos sem o cuidado devido (Beyer et al., 2014). Esses achados sugerem que a aversão não é só uma resposta emocional, mas um mecanismo evolutivo que protege contra ameaças infeciosas, e cujo sentimento se expandiu para incluir outros estímulos, como violações morais e culturais, sendo regulado por circuitos e redes cerebrais específicos.

Curiosamente, o mesmo mecanismo que nos causa repulsa também pode atrair a nossa atenção. A forte ativação neural pode explicar por que muitas pessoas se sintam atraídas por conteúdos repugnantes, como cenas de horror, acidentes e tragédias sangrentas na ficção. Em certas condições, experiências negativas podem gerar prazer, por essa razão o cérebro equilibra aversão e curiosidade, tornando locais contaminados e outras ameaças biológicas não apenas repulsivos, mas também estranhamente atraentes. O que também pode revelar-se como uma vantagem evolutiva traduzida por uma necessidade de entender o que representa uma ameaça como preparação para melhor enfrentá-la.

Os profissionais de limpeza desempenham um papel fundamental na manutenção da saúde pública, porque são responsáveis por remover resíduos perigosos e reduzir a propagação de doenças infeciosas. No entanto, além do estigma social que estes profissionais costumam sofrer, também enfrentam múltiplos desafios devido à exposição frequente a agentes patogénicos, produtos agressivos e resíduos biológicos. Estão implícitos riscos biológicos, como o possível contacto com vírus, bactérias, fungos e parasitas presentes em resíduos, locais e superfícies contaminadas, sendo que a exposição a esses agentes pode resultar em infeções respiratórias, gastrointestinais e dermatológicas (Douwes et al., 2006). Ou riscos químicos, pela utilização de produtos de limpeza industriais que podem levar à inalação de substâncias tóxicas, causando irritações e problemas respiratórios, bem como possíveis efeitos neurotóxicos (Mendell et al., 2013). E ainda, riscos psicossociais, podendo a exposição contínua a ambientes contaminados gerar stress psicológico, sintomas de ansiedade e depressão (Landsbergis et al., 2014; Moura, 2025).

Particularmente, os profissionais que trabalham repetidamente em cenários de risco biológico, tais como especialistas em limpeza pós-crime e desinfeção de locais contaminados, desenvolvem frequentemente uma resposta de dessensibilização emocional. Isto significa que a exposição repetida a estímulos aversivos pode conduzir a uma diminuição na intensidade das respostas emocionais, tornando os indivíduos mais resistentes à resposta emocional do nojo.  No entanto, esta dessensibilização pode traduzir elevados custos psicológicos, tais como a dissociação emocional, que é a perda da capacidade de responder emocionalmente a estímulos aversivos; ou burnout como resultado de exaustão física e mental devido à exposição contínua a ambientes hostis.

Alguns profissionais podem ainda desenvolver respostas exacerbadas com a exposição prolongada no tempo, e que podem incluir uma hiperatividade da amígdala, sendo que a perceção de ameaça passa a intensificar-se, mesmo em situações de baixo risco, assim como alguns transtornos de ansiedade, que, por sua vez, também podem incluir pensamentos obsessivos sobre contaminação e comportamentos compulsivos de limpeza.

Neste sentido, importa referir que existem intervenções psicoterapêuticas que se revelam eficazes para ajudar os profissionais a gerir as respostas aversivas. A exposição controlada, visando técnicas que reintroduzem gradualmente estímulos aversivos em ambientes seguros e que ajudam a diminuir a resposta de ansiedade. As terapias cognitivo-comportamentais (TCC) apoiam na reestruturação de pensamentos distorcidos sobre a contaminação. O mindfulness, como técnicas de atenção plena que ajudam a reduzir reações emocionais automáticas e promovem o equilíbrio mental.

Além disso, as empresas especializadas que atuam na limpeza de locais de risco devem investir no bem-estar e saúde mental dos seus profissionais, proporcionando programas de capacitação contínua para ajudar a identificar os riscos e perigos; adotar práticas seguras de trabalho (Rozin et al., 2008) e treino específico para lidar com estímulos aversivos (Schienle et al., 2005), facilitando a preparação para os profissionais enfrentarem ambientes contaminados sem sofrimento psicológico intenso. Devem oferecer o acesso a programas de suporte psicológico contínuo, disponibilizando profissionais de saúde mental, grupos de apoio, medidas para aumentar o reconhecimento profissional (Landsbergis et al., 2014), e favorecer procedimentos de descanso e descompressão, proporcionando períodos regulares para recuperação emocional (Moura, 2025). A implementação de protocolos rigorosos de higiene e controle de contaminação nos locais de trabalho com uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e tecnologias avançadas de desinfeção como robôs e radiação UV, revelam-se ainda como uma estratégia essencial para minimizar a exposição dos trabalhadores a agentes perigosos (Otter et al., 2013).

A neurociência da aversão a locais contaminados demonstra que a resposta do cérebro a ambientes perigosos se revela como um mecanismo evolutivo de autopreservação, e que esses instintos precisam ser regulados e controlados. Profissionais de limpeza e desinfeção expostos a esses ambientes enfrentam desafios que vão muito além da resposta instintiva do nojo e da aversão, considerando-se também riscos químicos, biológicos e psicossociais.

Compreender os mecanismos neurobiológicos da aversão oferece insights valiosos para a proteção da saúde física e mental de profissionais expostos a locais contaminados. Recorrendo a estratégias terapêuticas, facilitando o suporte adequado, promovendo a resiliência profissional, melhorando o apoio social, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, monitorizando os níveis de stress e o reconhecimento do trabalho dos profissionais, é possível minimizar os impactos negativos dessa exposição e promover o bem-estar psicológico dos profissionais essenciais para a manutenção da segurança biológica, e aumentar a sua satisfação no trabalho, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável para esses profissionais. Afinal, cuidar de quem enfrenta o que todos evitam para garantir espaços seguros para todos é também um dever coletivo.

Referências

Beyer F, Münte TF, Göttlich M, Krämer UM. Orbitofrontal cortex reactivity to angry facial expression in a social interaction correlates with aggressive behavior. Cereb Cortex. 2014. doi: 10.1093/cercor/bhu101.

Calder, A. J., Lawrence, A. D., & Young, A. W. (2007). Neuropsychology of fear and loathing. Nature Reviews Neuroscience, 8(5), 352-363.

Curtis, V., de Barra, M., & Aunger, R. (2011). Disgust as an adaptive system for disease avoidance behaviour. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 366(1563), 389-401.

Douwes, J., Thorne, P., Pearce, N., & Heederik, D. (2006). Bioaerosol health effects and exposure assessment: Progress and prospects. Annals of Occupational Hygiene, 51(1), 1-42.

Landsbergis, P. A., Dobson, M., Koutsouras, G., & Schnall, P. (2014). Job strain and ambulatory blood pressure: A meta-analysis and systematic review. American Journal of Public Health, 103(3), 61-71.

Mendell, M. J., Eliseeva, E. A., Davies, M. M., Spears, M., Lobscheid, A., & Apte, M. G. (2013). Association of classroom ventilation with reduced illness absence: A prospective study in California elementary schools. Indoor Air, 23(6), 515-528.

Moura, N.M.B. (2025). Psychosocial risk factors and impact on healthcare professional´s mental health: A systematic literature review. Manuscript accepted for publication in G. Buela-Casal (Ed.), International Handbook of Clinical Psychology (Vol. 3). Thomson Reuters.

Murphy FC, Nimmo-Smith I, Lawrence AD. Functional neuroanatomy of emotions: a meta-analysis. Cogn Affect Behav Neurosci. 2003;3(3):207-33. doi: 10.3758/ CABN.3.3.207

Otter, J. A., Yezli, S., Salkeld, J. A. G., & French, G. L. (2013). Evidence that contaminated surfaces contribute to hospital-acquired infections: A systematic review. Journal of Hospital Infection, 85(3), 206-216.

Ramos R. Transtornos de ansiedade. In: Lopes A, editor. Tratado de clínica médica. São Paulo: Rocca; 2006. v.2, p. 2480-90.

Rozin, P., Haidt, J., & McCauley, C. R. (2008). Disgust. In M. Lewis, J. M. Haviland-Jones, & L. F. Barrett (Eds.), Handbook of Emotions (3rd ed., pp. 757-776). Guilford Press.

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Autor: Nuno Moura – Mestre em Psicologia Clínica e Psicoterapeuta. Fundador e Diretor da Clínica Médica Mentalmente4PSI.

** Este artigo faz parte integrante da revista BioHazMag lançada em outubro de 2025.

 

PALAVRAS-CHAVE: Nojo; Odores; Cheiros; Fluídos Corporais; Sangue; Locais de Crime; Locais de Risco; Locais Contaminados; Risco Biológico; Risco Químico; Riscos Psicossociais; Limpeza; Deathclean; Profissionais Especializados; Transtornos Mentais; Saúde Mental; Segurança Biológica; EPI.