Incidência dos Acidentes com Amoníaco (Por Eduardo Moritz)
Atualmente a maior incidência de emergências estão no meio industrial. Isso explica-se em parte pela condição das instalações que estão a efetuar a manipulação do amoníaco dentro de um sistema de refrigeração ou como matéria-prima no processo industrial. Já o transporte apenas se desloca com o produto dentro de um recipiente fechado.
Normalmente, as emergências com veículos de transporte de amoníaco estão relacionados com acidentes com o próprio veículo transportador. Em contrapartida, no caso de ambientes industriais, são muitos os equipamentos onde pode haver fugas como válvulas, selos, compressor, bombas etc. Além de procedimentos como o de purga de óleo do sistema. Somando-se a isso, a questão de manutenção preventiva deficitária, falta de formação de operadores do sistema, falta de procedimentos operacionais, falta de investimento em equipamentos de segurança, equipamentos de segurança de baixa qualidade etc.
Principais observações para um atendimento a emergência adequado
Para responder uma emergência como amoníaco, o socorrista deve estar ciente que está a lidar com um químico com vários riscos associados aos riscos da própria instalação industrial. Devemos lembrar que o amoníaco é um gás liquado com características de um gás tóxico, o qual, para além de ser inflamável em certas condições, também está a baixíssimas temperaturas em estado líquido (abaixo de -33°C) o que pode acarretar queimaduras químicas, além da pressão que pode estar associada ao aumento de temperatura, sendo comum lidarmos com pressões entre 10 e 15 kg/cm2. Então, para responder bem a emergência, deve-se estar bem treinado para isso. Além das equipas de intervenção direta na emergência, os trabalhadores da fábrica como um todo devem estar treinados para uma situação de emergência, seja desempenhando algum papel no procedimento ou mesmo realizando uma evacuação de forma segura. Isso deve estar bem estabelecido no PRE – Plano de Resposta a Emergência. A emergência não é momento para aprender mais nada e sim para executar tudo aquilo que já foi treinado e simulado anteriormente.
Protocolos de atendimento a emergência. Itens mínimos que devem ser respeitados.
Primeiro, para se responder a uma emergência por amoníaco, devem-se ter obrigatoriamente todas as formações para essa atividade, já que não é algo trivial. O socorrista deve ter a noção exata de todas as condições que pode encontrar na emergência. Costumamos aplicar o princípio de Sun-Tzu, “conhece o teu inimigo e a ti mesmo, que de cem batalhas, ganharás as cem” (in Arte da Guerra) Ou seja, precisamos saber tudo sobre o químico e, da mesma forma, devemos saber tudo a respeito das condições de nossa própria equipa de resposta. Somente dessa forma poderemos sair vencedores da “batalha”. Não existe uma forma fechada e exata para intervir numa emergência com amoníaco; existem, sim, muitas técnicas possíveis de serem utilizadas e, dependendo da situação, o socorrista, formado para essa situação, deve escolher a melhor opção. Se o vazamento é na fase gasosa ou líquida, se o dia está calor e seco ou se está frio e húmido, ou então se o vazamento é em local fechado ou aberto, tudo isso vai implicar a forma específica de como o químico se irá comportar.
O primeiro passo é reconhecer a situação de emergência: está em local aberto ou fechado? Respondendo a esta pergunta, podemos associar os riscos existentes e as técnicas de resposta possíveis. Pois se está em ambiente fechado temos que ter em mente que a concentração está alta, podendo inclusive estar dentro da faixa de inflamabilidade (mistura entre o químico e o ar), que para o amoníaco está entre 15 e 28%. Para essas situações é imprescindível a utilização de Equipamento de Proteção Respiratória Autónomo (EPRA) e o trajo de proteção química pode ser desde um não encapsulado ou até um encapsulado (nível A ou B de proteção), dependendo da concentração, desde que testado e aprovado para o gás amoníaco.
Caso a emergência seja em ambiente aberto, deve-se ficar atento às condições climáticas, pois essas definem exatamente como a pluma de amoníaco se irá comportar no ambiente. O amoníaco pode vazar na fase líquida, fase gasosa e fase aerossol. A fase líquida é facilmente identificada pela formação de uma poça no local. O grande risco deste tipo de vazamento é a temperatura, já que para o amoníaco estar líquido o local deve estar abaixo de -33ºC. A fase gasosa é incolor, o que dificulta a sua identificação. Neste caso, é importante estarmos com detetores de amoníaco. O valor do IPVS (Imediatamente Perigoso a Vida e a Saúde) do amoníaco é de 300 ppm e o STEL (Short Term Limit), pico máximo de 15 min é de 35 ppm., valores orientados pela National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH). Na mesma linha seguem os valores trazidos pela EPA – Environmental Protection Agency, a Agência de Proteção Ambiental Americana, através dos índices AEGL- Acute Exposure Guideline Levels, como AEGL para 10 minutos, AEGL 1 – 30ppm, AEGL 2 – 220 ppm, AEGL 3 – 2.700 ppm. Considerando que IPVS é o valor considerado para uma evacuação de, no máximo, 30 minutos, acima disso a vítima pode não resistir ao ataque do químico. E ainda existe a fase aerossol, mistura de gás e gotículas, que é o vazamento característico de cor branca. Nessa fase podemos identificar as ações ambientais sobre a pluma, já que em dias mais húmidos a pluma tende a ficar mais perto do solo e em dias mais secos a pluma tende a subir. A densidade do amoníaco é de 0,59, sendo então um químico que deveria subir no ambiente, mas sua afinidade com a água (é muito solúvel em água, higroscópica), há uma reação com o vapor de água do ambiente e então ele tende a descer e buscar as partes mais baixas do terreno. Nessa situação pode-se utilizar uma série de técnicas que, dependendo da situação e dos materiais disponíveis, podem ser aplicadas. Pode-se utilizar a técnica de Tapar e Cobrir, na qual se utiliza uma lona para formar um micro sistema ao redor do vazamento, fazendo-o diminuir drasticamente. Podem utilizar-se jatos neblinados de água, e assim transformar o amoníaco em hidróxido de amoníaco, em fase líquida, depositando-se sobre o solo. Podem utilizar-se ventiladores para fazer a dispersão e/ou redireccionamento da pluma, retirando-a de uma vítima ou permitindo que se trabalhe em determinado local. Também é importante sabermos técnicas de descontaminação técnica, ou seja, como vamos fazer a limpeza dos socorristas que estiveram em contacto com o amoníaco e que assim possam sair de forma segura do local da emergência. Para a descontaminação, podemos utilizar água, solução neutralizante ou até fazer a descontaminação gasosa com CO2. Podemos observar que conhecendo bem os químicos, sabendo identificar os riscos associados ao vazamento, analisando a melhor opção de EPI, estar treinado e possuir equipamentos para aplicar as técnicas apropriadas, responder uma emergência com amoníaco se torna seguro e de grande eficácia.
Considerações adicionais devem ser levadas em conta no que respeita à contaminação do solo e água, caso se utilizem jatos de água na nuvem de amoníaco, já que se forma desta mistura o hidróxido de amoníaco, um corrosivo. Os órgãos ambientais requerem nesses casos que seja evitada a contaminação, principalmente de cursos d’água, e se aplique alguma técnica pós emergência para resolver o dano causado. Caso esse químico seja depositado sob o solo irá ocorrer a queimadura da vegetação e aumento do pH local. Entretanto, após aproximadamente um mês as condições restabelecem-se, inclusive gerando a fertilização do local. A situação complica-se quando o amoníaco entra em cursos de água, pois aumenta o pH aquático e pode causar a morte de animais e plantas que vivem nesse ambiente.
Maiores dificuldades no combate a emergências
A maioria das emergências que envolveram amoníaco e em que houve vítimas, aconteceu pelas falhas usuais do sistema de segurança tais como: falta do sistema de deteção, falha no procedimento de evacuação, falta de equipamentos de segurança e/ou de baixa qualidade, associados com as falhas de procedimentos para a situação de emergência. Um bom Plano de Resposta a Emergência, pessoal treinado e qualificado para atuar na emergência, trabalhadores em geral cientes dos riscos e treinados para a situação de emergência na fábrica podem diminuir drasticamente a hipótese de uma emergência com vítimas, pois mesmo se houver uma situação inesperada, as equipas irão intervir de forma eficaz.
Saiba mais em : DEATHCLEAN
Autor: Eduardo Moritz – Engenheiro Químico.
Especialista em Emergência com Amoníaco, pela ASTI (Instituto Americano de Segurança e Formação com Amoníaco). Técnico em Emergências com Produtos Perigosos – TTCI (Transportation Technology Center Inc.), Colorado, EUA. Especialista em Química Analítica em Meio Ambiente – UTFPr. Tecnólogo em Meio Ambiente – ITFRN. Instrutor internacional pela TTCI. Escritor do livro Técnicas em Emergência com Amoníaco. Atuação na área de emergências químicas em empresas de atendimento e resposta a emergências com produtos perigosos desde 2006.
** Este artigo faz parte integrante da revista BioHazMag lançada em outubro de 2021.
PALAVRAS-CHAVE: Deathclean; Risco Biológico; Acidentes; Contaminação; Equipamento de Proteção; Emergência; Químico.