DEATHCLEAN – Morte, Violência e Trauma: Fatores de Risco para Patologia no Processo de Luto

Por processo de luto entende-se a experiência de adaptação à perda da pessoa falecida e, por sua vez, ao mundo, sem tudo aquilo que era proporcionado pela mesma, desde o suporte emocional, ao afeto e dinâmicas familiares (Gabriel et al., 2021).

Ao longo dos anos, tem vindo a ser estudado o impacto das circunstâncias da perda para o processo de luto. As evidências referem que, por um lado, quando uma pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, para a qual se encontra totalmente sem recursos emocionais, é vivido um choque inicial que é substituído pela zanga, revolta e dor. Por outro, num luto antecipado, ou seja, aquele que ocorre antes da perda real de uma pessoa que se encontra em ameaça progressiva de morte, integra um sofrimento prolongado e uma ansiedade intensa que controlam o quotidiano da pessoa (Gabriel et al., 2021).

Desta forma, apesar da natureza normativa, inevitável e pertencente ao ciclo da vida desta experiência, quando acontece uma perda considerada violenta, traumática e/ou inesperada como é exemplo o homicídio ou suicídio, este processo tende a ser um fator de risco para patologia (Thieleman et al., 2023).

Por patologia entende-se sintomas de ansiedade, depressão, perturbação do stress pós-traumático ou perturbação do luto prolongado (Li et al., 2021; Stroebe et al., 2024).

A literatura da especialidade identifica diferentes fatores de risco para patologia, os quais podem ser estruturados em esferas distintas, concretamente: esfera situacional, relacional e individual (Albuquerque et al., 2021).

No que remete para o domínio situacional, referente a fatores de risco sociodemográficos, destacam-se as situações de morte súbita e violenta (Bottomley et al., 2022), situações de catástrofe que envolvam múltiplas perdas (Lenferink et al., 2020) e fatores de stress concorrentes, como são exemplo a existência de dificuldades financeiras (Alves-Costa et al., 2021). Aquando de um homicídio, os processos judiciais, para além do desgaste psicológico, podem ainda ser responsáveis por potenciar fragilidades financeiras – dificultadoras da estabilidade e harmonia familiar para estar em luto.

Na esfera relacional, exemplos de fatores de risco remetem para a existência de uma relação com a pessoa perdida de dependência, conflituosa ou ambivalente (Thomas et al., 2014), a ausência de suporte social (Cacciatore et al., 2021) e a presença de dinâmicas disfuncionais na família (Walsh & McGoldrick, 2023).

A título de exemplo, no contexto de uma morte por homicídio, outro fator de risco que impacta as famílias é a cobertura mediática, por vezes selvagem, pois prejudica a privacidade de que as pessoas necessitam para estar em luto. A divulgação do acontecimento na comunicação social pode ser percebida e descrita como uma experiência desrespeitadora da família e da própria vítima, fomentando o sofrimento da perda.  A irritabilidade, agitação e alterações do humor que tendem a ser provocadas pelo trauma fazem com que sejam vivenciadas tensões também no seio familiar (Alves-Costa et al., 2021).

No que diz respeito à vulnerabilidade psicológica individual, naturalmente que uma história de trauma e/ou de múltiplas perdas é um fator de risco para patologia; assim como o predomínio de emoções como a zanga, a raiva e a culpa (Gold et al., 2018; Li et al., 2018), ou a tendência a ruminar acerca da morte (Thimm et al., 2024) e a ser invadido por imagens traumáticas (Worden, 2018). Sabemos que a culpa, apesar de tendencialmente presente em todos os processos de luto, tende a ser uma das especificidades que define o luto por mortes violentas, como suicídio, homicídios ou acidentes, assim como a tendência a gerir imagens traumáticas (Joa et al., 2023).

Outro fator de risco apontado pela ciência psicológica é o recurso a comportamentos autodestrutivos (Worden, 2018). A natureza traumática da perda é acentuada pela tendência a recorrer a comportamentos de risco para gerir o sofrimento e esquecer, ainda que por momentos, a perda, como o consumo de drogas, álcool e medicação, comportamentos auto-lesivos e tentativas de suicídio. Não raras vezes, estes recursos apresentam um poder sedativo, tornando aliciante a possibilidade de desligar da dor, como mencionado, mas, principalmente, das imagens traumáticas.

Para além de outros fatores protetores, como o suporte social, o auto-cuidado ou a atribuição de um significado para a perda, destaca-se o recurso a ajuda especializada – terapia individual e terapia de grupo.

Em terapia, encontra um lugar seguro para libertar e compreender as suas emoções, assim como desenvolver estratégias de regulação emocional, desconstruir pensamentos negativos e associados à culpa, compreender o processo de luto (fases, sintomas, mecanismos e alcançar uma maior sensação de controlo), explorar potenciais significados para a perda, identificar rituais do luto, entre outros elementos que façam sentido para a pessoa em luto, como ajudar na comunicação entre os membros da família que se encontram em sofrimento e com formas diferentes de lidar com a dor ou planear o regresso ao contexto laboral.

Em particular, os grupos de ajuda para pessoas em luto apresentam benefícios como são exemplo: a sensação de ser partilhada uma experiência comum, facilitando a proximidade emocional entre os membros do grupo; a dupla função das partilhas (ajudar os outros e ser ajudado pelos membros do grupo que o rodeiam); a ausência do medo de ser julgado pelos outros, acompanhada pela sensação de uma maior empatia.

As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.

AUTORES: Os psicólogos Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, a qual disponibiliza nos seus serviços consulta especializada de apoio ao luto.

Outros artigos em: PSICOLOGIA CLINICA E FORENSE

MIND - Mauro PaulinoMauro Paulino – Psicólogo Clínico e Forense
Coordenador da Mind | Psicologia Clínica e Forense

MIND - Sofia GabrielSofia Gabriel – Psicóloga Clínica
Mind | Psicologia Clínica e Forense

MIND | PSICOLOGIA CLÍNICA E FORENSE

MIND | PSICOLOGIA CLÍNICA E FORENSE
Centro de Escritórios Panoramic
Avenida D. João II, Lote 1.19.02, Escritório 6.06
1990-019 Lisboa – Parque das Nações
geral@mind.com.pt | (+351) 913 121 559

PALAVRAS-CHAVE: Deathclean; Morte; Luto; Perda; Trauma; MIND; Psicologia; Forense; Clínica; Mauro Paulino; Sofia Gabriel

Referências

Bottomley, J. S., Campbell, K. W., & Neimeyer, R. A. (2022). Examining bereavement‐related needs and outcomes among survivors of sudden loss: A latent profile analysis. Journal of Clinical Psychology78(5), 951-970. https://doi.org/10.1002/jclp.23261

Cacciatore, J., Thieleman, K., Fretts, R., & Jackson, L. B. (2021). What is good grief support? Exploring the actors and actions in social support after traumatic grief. PloS one16(5), e0252324. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0252324

Joa, B., & Newberg, A. B. (2023). Neuropsychological comparison of guilt and grief: A review of guilt aspects in prolonged grief disorder. OMEGA-Journal of Death and Dying87(2), 591-613. https://doi.org/10.1177/00302228211024111

Lenferink, L. I., Nickerson, A., de Keijser, J., Smid, G. E., & Boelen, P. A. (2020). Trajectories of grief, depression, and posttraumatic stress in disaster‐bereaved people. Depression and anxiety37(1), 35-44. https://doi.org/10.1007/s00127-019-01776-w

Li, J., Sun, Y., Maccallum, F., & Chow, A. Y. (2021). Depression, anxiety and post-traumatic growth among bereaved adults: A latent class analysis. Frontiers in Psychology11, 575311.

https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.575311

Stroebe, M. S., Schut, H. A., & Eisma, M. C. (2024). On the Classification and Reporting of Prolonged Grief: Assessment and Research Guidelines. Harvard Review of Psychiatry32(1), 15-32. https://doi.org/10.1097/HRP.0000000000000389

Thieleman, K., Cacciatore, J., & Frances, A. (2023). Rates of prolonged grief disorder: considering relationship to the person who died and cause of death. Journal of affective disorders339, 832-837. https://doi.org/10.1016/j.jad.2023.07.094

Thimm, J. C., Kristensen, P., Aulie, I. F., Larsen, I. M., & Johnsen, I. (2024). The associations of grief‐related rumination with prolonged grief and posttraumatic stress symptoms: A longitudinal study of bereaved after the 2011 terror attack in Norway. Clinical Psychology & Psychotherapy. https://doi.org/10.1002/cpp.2950

Walsh, F., & McGoldrick, M. (2023). A family systems perspective on loss, recovery and resilience. In Working with the Dying and Bereaved (pp. 1-26). Routledge.