O papel de um profissional de organização em uma situação de acumulação (Por Vanessa Tagliari)

Há 15 meses colaboro com a DEATHCLEAN escrevendo artigos sobre acumulação e desorganização prolongada (desorganização crónica), sob a ótica da organização profissional. Entendo, assim, que é chegado o momento de falar mais sobre como um profissional de organização especializado nesta área pode ajudar de facto pessoas em situação de acumulação ou que estejam afetadas pela desorganização crónica (entenda o que é desorganização crónica no artigo de outubro 2020 neste blog).

A maioria das pessoas chegam até um profissional de organização com a esperança de que este irá adentrar a casa de um acumulador e resolver a situação – promovendo o destralhe e a limpeza – mas, não é assim que funciona! Antes de tudo é preciso entender que uma pessoa que vive em situação de acumulação, precisa passar pela avaliação de um profissional de saúde mental para compreender as causas desta acumulação. Ao contrário do que se acredita,  nem todos os “acumuladores” sofrem do transtorno de acumulação – a patologia; algumas vezes a acumulação é causada por outros motivos que não o transtorno de acumulação ou não apenas o transtorno de acumulação.

Entendendo isso e recebendo um diagnóstico por parte de um profissional de saúde, o próximo passo é a consciencialização da pessoa que acumula. Sem essa consciência e verdadeira vontade de mudar a situação e a aceitação de uma intervenção externa, o problema jamais será resolvido. Sabe por quê? Porque o que causa o acúmulo não é o excesso de objetos ou lixo, mas sim o apego que se tem pelas coisas, pois a principal característica da acumulação extrema é o APEGO aos objetos independente do seu valor real. Portanto apenas promover uma limpeza nos espaços não resolve o problema, como também pode piorar a situação da pessoa afetada e causar sofrimento e ansiedade no indivíduo quando se sente confrontado e obrigado a se desfazer de seus pertences.

Um profissional de organização qualificado para atender essas demandas, NÃO irá realizar um trabalho de destralhe e organização sem o consentimento da pessoa acumuladora e o aval de seu psicólogo ou psiquiatra. E somente após o diagnóstico é iniciada a intervenção em articulação com vários órgãos. Conforme matéria publicada em 2016 no jornal “O observador”.

(“Sim, a intervenção nunca é só da Câmara. Nem pode. Primeiro, procuramos o médico de família, para conhecer os antecedentes clínicos daquele doente, e depois um psiquiatra, que vai acompanhar o caso. A seguir é necessário contactar o Ministério Público e as polícias, seja a Polícia Municipal ou a PSP. Nós não podemos entrar na casa de uma pessoa sem a autorização dela; é necessário um mandado judicial. É ainda necessária a atuação da Proteção Civil e dos serviços urbanos da autarquia, que vão tratar da remoção do lixo. Ou dos serviços veterinários, quando há acumulação de animais. Por último, e como os casos são sobretudo de idosos, é necessária uma articulação com instituições privadas de solidariedade social, como os lares”).

A acumulação excessiva é um problema de saúde mental, emocional e em alguns casos de saúde pública – quando a acumulação ultrapassa os limites das paredes internas da habitação e começa a perturbar a vizinhança e atrair mau cheiro, insetos e outros animais indesejados; ou quando a estrutura da casa está em risco de incêndio ou desabamento. Por este motivo tratar uma situação de acumulação sem o devido cuidado e respeito para com a pessoa que acumula é – no mínimo – leviano e irresponsável. Nunca devemos esquecer que A CONDIÇÃO EM QUE A PESSOA VIVE NÃO REFLETE QUEM ELA É: é apenas uma CONDIÇÃO. Devemos sempre tratar a pessoa com respeito, compaixão e empatia. Quando o plano é  tirar a pessoa de casa e simplesmente chamar uma empresa para promover a limpeza, deve-se levar em conta que isso poderá causar sérios danos psicológicos à pessoa “acumuladora”, dentre eles pode se gerar  situações de raiva  e violência, crises de ansiedade e até depressão.

Por esses e outros motivos é que é necessário saber ajudar e não apenas “querer ajudar”. O querer é muito importante, mas o saber é essencial para que essa ajuda seja de facto acertada e que promova uma mudança neste comportamento.

Por fim, é importante reforçar que um profissional de organização somente poderá ajudar a pessoa acumuladora após A PRÓPRIA consentir em receber a ajuda. Nós, profissionais de organização (e atenção, nem todos possuem qualificação para atender situações de desorganização prolongada e acumulação, pesquise bem), poderemos ajudar o acumulador no momento da triagem de seus pertencentes – que é a escolha sobre o que fica e o que sai – e também promovendo a organização mais adequada: respeitando as escolhas e necessidades da  pessoa, a estrutura dos espaços e volume de objetos a serem organizados, e garantindo que a individualidade e vontade do cliente sejam respeitadas, enquanto a equipa de limpeza promove a devida higienização dos espaços.

(“O que nem sempre é fácil. Nem rápido. “Muitas vezes não nos deixam entrar em casa. O que é normal nestes casos. Quando deixam, é necessário definir um plano de intervenção. E a intervenção tem que ser feita com a pessoa. Não é ela quem vai retirar o lixo de casa, mas tem que ser ela a compreender que tem um problema e que precisa de ser ajudada. Não podemos retirar tudo do dia para a noite. Não que não conseguíssemos. Não é isso. Mas essa retirada abrupta vai piorar o estado de saúde do acumulador. Em vez de o ajudar, vai prejudicá-lo na recuperação. As intervenções chegam a demorar três meses. Isto no melhor dos casos. Mas a intervenção não termina com a limpeza da casa nem com as obras. São necessárias visitas frequentes a casa destas pessoas para garantir que o problema não volta”, lembra Ana Moreno Chefe da Divisão de Intervenção Social da Câmara Municipal da Amadora em entrevista ao ‘Observador’).

Por isso, se tens conhecimento de alguém que vive em situação de acumulação ou em uma grande desordem que perdura há anos, um profissional de organização que atenda essas necessidades poderá prestar uma consulta para ajudar a perceber se é um possível caso de acumulação ou desorganização crónica e, assim, orientar o melhor caminho para ajudar.

Autora: Vanessa Tagliari – Consultora em Organização.

Vanessa TagliariConsultora em Organização desde 2016, com certificação profissional comprovada e onde atualmente se encontra a especializar na resolução de problemas de desorganização crónica e acumulação excessiva.
A Vanessa, ajuda as pessoas a encontrarem a organização dentro de si através da organização dos espaços físicos. Saibam mais sobre o trabalho da Vanessa Tagliari em: Vanessa Tagliari – Organizadora Profissional

Contacto: vanessatagliariorganizadora@gmail.com ou +351 919 792 565

** Este artigo contou com a revisão e colaboração de: Adriana Schatz – Consultora em organização em Santa Catrina – SC Brasil (adriana@mapadaorganizacao.com.br).

 

PALAVRAS-CHAVE: Acumulação compulsiva; Acumulação de Animais; Hoarder; Hoarding; Deathclean; Organização; Organizadora; Apego; Vanessa Tagliari; Desorganização crónica; Lixo; Resíduos; Limpeza; Destralhe; Tralhas.