O Suicídio como Consequência de Muitas Perturbações Mentais (Por Nuno Moura)

Nos tempos atuais é cada vez mais frequente ouvir falar de problemas de saúde mental que afetam crianças, jovens, adultos e idosos devido aos mais complexos e exigentes cenários de vida a que todos vão assistindo. Com a crise climática, a pandemia, a guerra, os problemas socioeconómicos e as novas ameaças, surgem preocupações, problemas, angústias que acometem pessoas. Termos como resiliência, depressão, ansiedade, stress, saúde mental, são cada vez mais assimilados pela pessoa comum.

A saúde mental implica a capacidade da pessoa em estabelecer relações fortes e positivas com outros, ser um elemento produtivo para a comunidade, desenvolver crescimento pessoal, procurar satisfações e uma existência com significado. Mas também pressupõe a capacidade de lidar com a adversidade, com frustrações, limitações, stress, medos, tristeza, mudanças e desafios.

Existem muitos riscos associados à saúde mental, como exposição a violência, problemas socioeconómicos, condições de vida, doença crónica, doença mental e, quanto mais a pessoa é exposta aos fatores de risco, maior é o impacto na sua saúde física e mental, sendo conhecido que ao longo dos tempos os problemas mentais têm aumentado e tem sido cada vez maior a prevalência da doença mental na população.

E falar sobre saúde mental também é falar sobre a prevenção do suicídio. Divulgar informações com clareza contribui para que mais pessoas possam consciencializar a importância de falar sobre saúde mental e prevenção do suicídio. Desta forma pode contribuir-se mais ativamente para uma diminuição da desinformação, dos mitos, dos preconceitos e do estigma sobre o suicídio. Torna-se por isso importante contextualizar sobre o que é o suicídio, qual a sua expressão e o impacto, abordar os fatores de risco e proteção.

O suicídio, sendo definido como o ato de causar a própria morte intencionalmente, pode ser compreendido como o resultado da vulnerabilidade individual, da pressão e stress social e a disponibilidade de meios. Implica uma ideação suicida que inclui pensar, considerar ou planear o suicídio, e o comportamento suicida traduzido pela variabilidade de comportamentos desde a preparação para cometer suicídio, as tentativas até à sua consumação.

Em analogia à teoria psicanalítica freudiana de 1920, que concetualizava a vida mental como expressa num continuum entre a Pulsão de morte (Thanatos), entendida como a pulsão em direção à morte e autodestruição e por oposição e simultaneamente complementaridade à Pulsão de vida (Eros), entendida como a pulsão sexual com tendência à preservação da vida, também pode crer-se que o suicídio seja compreendido por uma tendência à autodestruição da pessoa através de um contínuo existencial, em que de um lado a pessoa está viva e vai assumindo comportamentos de autodestruição passiva, debate-se com fantasias inconscientes de suicídio, pode tentar o suicídio, e do outro extremo, está o instante em que a pessoa está determinada a matar-se e efetivamente põe fim à sua vida.

O suicídio, existindo desde a própria existência do ser humano, é cada vez mais um problema importante de saúde pública. Não sendo recente, é um fenómeno muito complexo e tem sido alvo de muito estudo e reflexão ao longo dos tempos. Reconhece-se que pode afetar todas as pessoas, de qualquer raça, cultura, estatuto socioeconómico ou idade. Resulta de um intenso sofrimento emocional e, além de levar à perda da vida humana, tem um elevado impacto emocional na família, amigos, colegas, profissionais, cuidadores, na comunidade e na sociedade.

Podem ser muitas as causas que levam uma pessoa a pensar sobre o suicídio mas, habitualmente, o que parece diferenciar as pessoas que se suicidam das que apenas pensam ou tentam são estados de dor psíquica acompanhados por sentimentos de desespero e desesperança, percecionando um sofrimento insuportável e a ideia que a vida acaba por perder sentido e não tem valor. Ao conflito entre a vontade de viver e o desejo de morrer, a ânsia por libertar-se do sofrimento e a rigidez de pensamento, agrava a impulsividade, que potencia o risco e pode determinar o suicídio.

Epidemiologicamente o suicídio gera em todo o mundo elevadas taxas de mortalidade. Estima-se que cerca de 800 000 pessoas cometem suicídio anualmente, sendo já considerada pela OMS como uma das 10 principais causas de morte.

Em Portugal, a mortalidade por suicídio também preocupa bastante, estimando-se que por dia 3 pessoas cometam suicídio, sendo a prevalência maior nos homens (numa relação 3:1) o que parece explicar-se pela influência das teorias sociais relacionadas com o papel social de género.

As taxas mais elevadas de suicídio situam-se na zona sul e centro interior do país, sendo o Alentejo a região com maior incidência de casos. É a faixa etária de mais de 65 anos que tem maior prevalência de suicídios. No entanto é também já uma das primeiras causas de morte na infância, adolescência e jovem adultícia. E os números podem ser ainda maiores considerando-se que muitos casos de morte por causas desconhecidas possam dever-se a suicídio.

São múltiplos os motivos que levam alguém a matar-se, reconhecendo-se na sua etiologia fatores genéticos, ambientais, psicológicos e comportamentais. A presença de transtornos mentais prévios ao suicídio ocupam estatísticas de 85 a 90% dos casos. Outros fatores considerados de risco para o suicídio são condições graves de saúde mental, tentativas prévias de suicídio, história familiar de suicídio e de condições psiquiátricas, impulsividade e agressividade, abuso de substâncias, experiências traumáticas na infância como o abuso físico, sexual ou privação de cuidados, bullying, luto patológico, conflitos de relacionamento (ruturas relacionais), desemprego, stress financeiro, crises de transição (aposentação), isolamento, condições de saúde física graves ou crónicas, entre outras. Certas características psicológicas aumentam o risco de suicídio, tais como a tendência para a impulsividade, a rigidez cognitiva, a sensibilidade à rejeição, o pessimismo e negativismo. Considera-se que as pessoas com maior risco de suicídio são as que já atentaram contra a sua vida e as pessoas que sofrem de uma perturbação mental.

Além de que as pessoas com problemas de saúde mental são particularmente vulneráveis à discriminação, ao estigma, à exclusão social, aos comportamentos de risco, aos problemas de saúde física, o que também contribui para o agravamento do risco para o suicídio.

É, portanto, clara a associação entre suicídio e perturbação mental, sendo esta um quadro caracterizado por alterações isoladas ou combinadas e clinicamente significativas da cognição, da regulação da emoção ou do comportamento, que traduz uma disfunção e resulta em sofrimento ou défice social, familiar ou ocupacional significativo no funcionamento do indivíduo.

Importa esclarecer que o suicídio não é uma doença nem constitui em si um transtorno mental, mas reconhece-se que muitas perturbações mentais estão associadas ao suicídio, pois ainda que nem sempre seja essa a causa principal do suicídio, a maioria dos casos de suicídio apresentam-se associados a problemas relacionados com perturbações mentais.

E se é verdade que nem todas as pessoas que apresentam algum tipo de perturbação mental irão apresentar um comportamento suicida, sabe-se que frequentemente as suas condições mentais mais frágeis e com menos recursos para enfrentar a adversidade, sobretudo quando não estão compensadas, tendem para um estado de sofrimento emocional mais intenso e com maior vulnerabilidade para a desorganização, comparativamente às pessoas sem psicopatologia.

São menos comuns as situações em que o suicídio surge como o resultado de um processo de decisão em que sendo analisados os aspetos positivos e negativos de estar vivo, conclui-se que o melhor é morrer. Os casos de suicídio assistido ou de eutanásia em situações de agravamento de doenças crónicas ou doenças terminais são disso outros exemplos.

De facto, na maioria das vezes o suicídio aparece associado a problemas de saúde mental que se forem diagnosticados e tratados adequadamente levam a uma diminuição das tentativas e mortes. Entende-se que a maioria das pessoas, se não se encontrassem num estado tão elevado de sofrimento emocional, angústia e desesperança, escolheriam outra forma de resolver os seus problemas ao invés de pensar, tentar ou cometer o suicídio.

E são muitos os transtornos mentais que podem ter como consequência o suicídio, sendo os mais comuns a depressão; a perturbação de humor bipolar caracterizada por oscilações imprevisíveis no humor variando entre depressão e mania; a perturbação associada ao consumo de substâncias como álcool e drogas; a esquizofrenia; as perturbações de personalidade, especialmente a borderline ou estado-limite que se caracteriza por um padrão de impulsividade e instabilidade nos afetos, nas relações e autoimagem; as perturbações graves da ansiedade que incluem medo e ansiedade excessiva bem como alterações do comportamento associadas, entre outras perturbações ou transtornos mentais. Considera-se que o risco é ainda agravado no caso das comorbilidades como, por exemplo, a presença de uma perturbação depressiva combinada com o uso de álcool e drogas, ou associada a uma perturbação da personalidade. Sendo que a forma mais adequada de diminuir o risco de suicídio neste tipo de casos se prende com o diagnóstico e tratamento da perturbação mental.

A título de exemplo estima-se que mais de metade das pessoas que se suicidam possuem critérios para uma perturbação depressiva, entenda-se o conjunto das perturbações disruptivas de desregulação do humor muito caracterizadas pela presença de tristeza, vazio ou humor irritável acompanhadas de alterações somáticas e cognitivas. Cerca de 10% dos casos de suicídios ocorrem nas pessoas que sofrem de uma perturbação do espetro da esquizofrenia e outras perturbações psicóticas, melhor caracterizadas pela presença de anomalias em múltiplos domínios, como presença de delírios, alucinações, pensamento ou discurso desorganizado, comportamento desorganizado, diminuição da expressão emocional, dos interesses, da capacidade de sentir prazer e isolamento social. O risco de suicídio nestes casos é tanto maior consoante for o estado agudo da doença, presença de sintomas positivos e negativos, comorbilidade com episódio depressivo, falta de acesso ou não adesão a um tratamento eficaz.

O consumo de álcool e drogas que atuam como desinibidores e ativadores diretos do sistema de recompensa no cérebro são potenciadores da impulsividade e promovem o agravamento do humor têm sido associados a taxas de 30 a 40% de suicídios que incluíram algum tipo de consumo prévio ao ato.

As condições físicas graves e doenças crónicas em cerca de 20% dos casos estão associadas ao suicídio em pessoas idosas. Considera-se que os efeitos psicológicos da incapacidade, da dor ou de um diagnóstico de doença grave podem aumentar o risco de suicídio.

E a genética também influencia o risco de suicídio. Tem vindo a ser estudado que além dos fatores ambientais, mesmo os devidos à componente familiar como a história familiar de suicídio, tentativas de suicídio ou transtornos psiquiátricos, uma parte desse risco também é determinado geneticamente. A epigenética considera que as experiências negativas como os traumas e pressões e as experiências positivas como o apoio social e psicoterapia podem alterar a expressão genética e condicionar a resiliência e o risco de suicídio do indivíduo.

Há ainda a considerar os casos de suicídio coletivo e o suicídio por contágio implicando um fator de influência e sugestão para cometer suicídio. Sendo o homem propenso à imitação, este comportamento é mais típico do adolescente tendo em conta o estádio de vulnerabilidade e sugestionabilidade. Nestes casos a mediatização do suicídio, as representações sensacionalistas, as mensagens positivas associadas ao comportamento, os desafios perigosos em jogos de moda, a curiosidade mórbida provocada podem impactar com a vulnerabilidade para a psicopatologia e conduzir à afirmação do comportamento por influenciamento.

Por tudo isso considera-se que um dos aspetos fundamentais na prevenção e controlo do suicídio visa precisamente aumentar a compreensão e divulgar informação adequada.

Neste sentido importa reconhecer os sinais de alerta como:

  •   Ameaçar matar-se ou magoar-se;
  •   Procurar ativamente maneiras de se matar;
  •   Falar ou escrever sobre a morte;
  •   Queixar-se de sentimentos de desesperança;
  •   Falar sobre querer desaparecer, sentir-se um fardo, encurralado, sem saída para os problemas atuais, ou que a vida não tem sentido;
  •   Atuar de forma precipitada envolvendo-se em situações de risco sem se preocupar com as consequências;
  •   Perder o interesse nas atividades, nos cuidados e imagem pessoal;
  •   Procurar e manter-se em isolamento;
  •   Tornar-se uma pessoa depressiva, apresentando uma grande tristeza, choro fácil, desesperança e pessimismo;
  •   Apresentar comportamentos de automutilação.

Na prevenção do suicídio é então fundamental reconhecer os sinais de alerta e os fatores de risco, levar a sérios os pedidos de ajuda, ouvir atentamente sem julgar, questionar diretamente sobre pensamentos suicidas, encorajar a pessoa a pedir ajuda profissional (psicólogo, psiquiatra, médico de família), e, se necessário, pedir ajuda imediatamente pelo 112 ou 808242424.

O tratamento para o risco de suicídio inclui a triagem, a avaliação do risco de suicídio e o tratamento clínico em internamento ou ambulatório consoante a avaliação do risco. A avaliação inicial do risco pode ser realizada por qualquer profissional de saúde, mas as pessoas que devam ser submetidas a uma avaliação completa do risco de suicídio devem ser observadas por um profissional de saúde mental especializado como um psiquiatra ou psicólogo.

A avaliação do risco permite identificar os principais fatores de motivação que contribuem para o risco atual de cometer suicídio e permite planear o tratamento adequado. O tratamento em ambulatório inclui o acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, bem como o aconselhamento e a terapia familiar.

É ainda fundamental desenvolver fatores protetores e outras medidas de prevenção do suicídio, tais como aumentar a rede de apoio familiar e social, promover e manter o tratamento adequado para as perturbações mentais, envolver a pessoa em atividades produtivas com significado e evitar o consumo de substâncias.

Em Portugal existe o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013/2017) da Direção-Geral da Saúde (https://prevenirsuicidio.pt), que pretende mudar as atitudes em relação ao suicídio e à doença mental. E de modo a aumentar a consciencialização sobre o suicídio, setembro foi eleito o mês da prevenção do suicídio e o dia 10 desse mês foi designado como o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, promovendo-se neste dia importantes ações de sensibilização.

Porque prevenir o suicídio é falar sobre saúde mental, abrindo espaço de reflexão sobre a preservação da vida e promover outras saídas além da morte para estados de sofrimento e dor insuportável, é portanto muito necessário aumentar o conhecimento em saúde e o investimento real no acesso aos cuidados de saúde mental.

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Autor: Nuno Moura – Mestre em Psicologia Clínica e Psicoterapeuta. Fundador e Diretor da Clínica Médica Mentalmente4PSI.

** Este artigo faz parte integrante da revista BioHazMag lançada em outubro de 2022.

 

PALAVRAS-CHAVE: Suicídio; Morte; Perturbações Mentais; Transtornos Mentais; Saúde Mental; Doença; Psicopatologia; Prevenção Suicídio; Violência; Limpeza; Deathclean.